"É um ataque ao estado da moral hegemônica. Enquanto não ataquei o
cristianismo, e tudo o que é podre que dele escorre, eu não pude ser
honesto comigo mesmo - isso foi o que fiz durante um tempo. Logo eu, que
me declaro ateu com convicção e boa-consciência desde a infância... Mas
isso, claro, não poderia ter passado impune. O único momento em que
baixei a guarda para esse veneno do espírito, o cristianismo, foi quando
em um relacionamento breve e febril com uma certa garota lá de
Goiânia... um sinal do meu próprio desequilíbrio de então. É uma valsa,
mas era pra ser também uma referência à musicalidade indígena, que
vocaliza dissonâncias que apavorariam um coral casto de qualquer igreja.
Que assim seja! Na abertura, evoco uma imagem de uma passagem do
Zaratustra; ao final, a história do lendário índio da América Central
que se recusou a ir para o ~paraíso~ junto aos espanhóis, preferindo a
fogueira... Estes índios orgulhosos! Bem assemelham-se me aos gregos
clássicos - apenas a revolta daqueles escravos de má-consciência, apenas
aqueles cristãos, que um dia ainda servirão de pesar e lamento por
sobre a história da humanidade na Terra, poderiam fazê-los tombar. Que
aprendamos a voar mais alto, pois!" ("Entrevista - Iñaron")
Hatüey
O passo de tudo que é honesto fala
Mas meu sapato é novo
E me dá um calo
Por isso, o meu passo cala
Paguei o que lhe era devido
Mesmo sem dever-te nada
Hoje não mais me endivido
Minha vida não é negociada
Está abolido todo juro
Pois, toda a Terra é sagrada
Com meu corpo em chamas, conjuro
É purificada a minha casa
Hoje prescindo do medo
Sigo sozinho minha estrada
Cheio de verdades nascidas
Do rancor de uma vaidade ferida
Se a estima que tenho de mim
Concorrer com as minhas falhas
Melhor seria o fim
Se, o coração, me retalha
Não quero ser um mártir
Mas também não sou covarde
Se eu perecer pelo que sou – que má sorte!
O superhomem vingará minha morte!
Pois, tenho um dever
Mas nenhuma obrigação
Tenho muitos motivos
Mas nenhuma razão
Como dizia o índio
Ao apelo à sua conversão
Pra padecer no paraíso
O falso templo cristão:
Pergunto, pois, hei de viver
Neste céu junto aos espanhóis?
Sim? Então, hei de arder
Ao fogo de mais de mil sóis.
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