quinta-feira, 30 de julho de 2015

02. Hatüey

 


"É um ataque ao estado da moral hegemônica. Enquanto não ataquei o cristianismo, e tudo o que é podre que dele escorre, eu não pude ser honesto comigo mesmo - isso foi o que fiz durante um tempo. Logo eu, que me declaro ateu com convicção e boa-consciência desde a infância... Mas isso, claro, não poderia ter passado impune. O único momento em que baixei a guarda para esse veneno do espírito, o cristianismo, foi quando em um relacionamento breve e febril com uma certa garota lá de Goiânia... um sinal do meu próprio desequilíbrio de então. É uma valsa, mas era pra ser também uma referência à musicalidade indígena, que vocaliza dissonâncias que apavorariam um coral casto de qualquer igreja. Que assim seja! Na abertura, evoco uma imagem de uma passagem do Zaratustra; ao final, a história do lendário índio da América Central que se recusou a ir para o ~paraíso~ junto aos espanhóis, preferindo a fogueira... Estes índios orgulhosos! Bem assemelham-se me aos gregos clássicos - apenas a revolta daqueles escravos de má-consciência, apenas aqueles cristãos, que um dia ainda servirão de pesar e lamento por sobre a história da humanidade na Terra, poderiam fazê-los tombar. Que aprendamos a voar mais alto, pois!" ("Entrevista - Iñaron")

Hatüey

O passo de tudo que é honesto fala
Mas meu sapato é novo
E me dá um calo
Por isso, o meu passo cala

Paguei o que lhe era devido
Mesmo sem dever-te nada
Hoje não mais me endivido
Minha vida não é negociada

Está abolido todo juro
Pois, toda a Terra é sagrada
Com meu corpo em chamas, conjuro
É purificada a minha casa

Hoje prescindo do medo
Sigo sozinho minha estrada
Cheio de verdades nascidas
Do rancor de uma vaidade ferida

Se a estima que tenho de mim
Concorrer com as minhas falhas
Melhor seria o fim
Se, o coração, me retalha

Não quero ser um mártir
Mas também não sou covarde
Se eu perecer pelo que sou – que má sorte!
O superhomem vingará minha morte!

Pois, tenho um dever
Mas nenhuma obrigação
Tenho muitos motivos
Mas nenhuma razão

Como dizia o índio
Ao apelo à sua conversão
Pra padecer no paraíso
O falso templo cristão:

Pergunto, pois, hei de viver
Neste céu junto aos espanhóis?
Sim? Então, hei de arder
Ao fogo de mais de mil sóis.

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