quinta-feira, 30 de julho de 2015

10. Elegia



"Foi a última a ser escrita, apesar de, como ocorrera com outras, ter já seu arranjo determinado. Faço uma digressão por sobre a minha própria história: voltei ao tempo em que morava na asa sul; voei de volta à asa norte; sem deixar de passar pela minha primeira experiência no Guará. São versos muito figurados, convidam a todos à reflexão, todavia, não deixo de fazer a minha própria: sobre os contextos de minha vida que me trouxeram até aqui, sobre os caminhos, curvas, desenganos... Arrisco até um verso autoral em alemão - até onde sei, não incorri em nenhum erro estrutural - com a humildade de quem quer aprender, com o orgulho de quem tem coragem de tentar. O refrão é de um aforismo que rascunhei na época em que estava a ler o "Humano, Demasiado Humano" - sugere um caminho para a autosuperação. Um áureo tempo, um sopro de um vento que vem do futuro." ("Entrevista - Iñaron") 

Elegia

De onde eu vim havia a Cortina de Ferro e o Muro de Berlim
Para onde vou não há ouro de tolo nem ouro de Moscou
Aquilo que hoje sei faria de mim menos que um escravo e mais que um rei
Hoje professor: cabe a mim libertar-me de tal fardo opressor

A minha espada, a minha espada abriu a fenda
O oco no peito – olhara dentro de mim o abismo
Fugiu de medo – fiz ele olhar-se a si no espelho
Derramo o vinho e rio – uma ode a Dionísio!
Tinto de chumbo – questiona a minha ferrugem exposta:
Como condescendi com aquilo em que nunca cri?
Eu quero a vida – não há vida após a morte
Não há saída – hei de abençoar este dia!

Mira em direção ao futuro
Com o arco do conhecimento
E enterra a flecha-homem
No peito do próximo século
Tua chama luze o escuro
Teu corpo é um experimento
Da bioquímica do afeto
Além do errado e do certo
Tudo é uno e possível
Em si nada é dado acabado
Há tanto que enternecer
Na lança que é o vir-a-ser
E este signo nunca esqueça:
Faltando em que se apoiar
Pra se elevar, o esquecimento
Escale a sua própria cabeça

No lamaçal dos enganos não pude evitar me enturvar
Sou apenas humano – ainda não sou um mar
Meu ouro reluz, pois, de nobre metal que eu me fiz
Mas a morbidez seduz - afasto-me de quem me quer pregado na cruz!

O meu escudo e o meu cajado, deixei tudo
Pra depois, fui andarilho no Guará II
Pois, tive sorte: conheci a W3 Norte
E o céu azul quando cruzei a L2 Sul
No Lago Norte, eu lecionei e vi a morte
E ainda resiste nos trapos a frase de Nietzsche
Tal qual estrela que brilha e que morre
Todo o dia, mas à noite renascia!

Na adolescência do século, na infância do milênio
Neste instante eterno que eu vislumbro em silêncio
Ele esteve hibernando e de um sono profundo desperta gritando:
“Vogelfrei fliegt zum licht, fliegt mit lese Nietzsche”
-Übermensch! –
-Este sou eu!



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